UMA VIDA DISTRAÍDA

UMA VIDA DISTRAÍDA
Olhos distraídos vagueiam por vitrines, passeiam por pessoas e edificações, correm céleres diante de canais de televisão e de inúmeras outras coisas, para, ao fim do dia, fecharem-se anestesiados de tantas atividades. Cerram-se fatigados, sem que se tenha dado um único passo na execução da mais importante de suas tarefas do dia: a existencial.
Tarefa existencial é a que mostra o rumo para a solução das questões básicas da vida: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? É a tarefa que, quando cumprida, traz a rica sensação de estarmos vivos, cumprindo o propósito maior e verdadeiro de nossa caminhada, o espiritual, que diz respeito à nossa essência mais profunda.
Contudo, sempre muito ocupado com irrelevâncias, o olhar desatento vagueia sobre a vida e a realidade sem fixar-se em nada mais profundo. Nos poucos, nos raros e sagrados momentos em que o nosso espírito procura algo fora da vala comum do cotidiano, em busca de um sinal sobre a razão da vida, há sempre alguma coisa ou alguém a desviar nossa atenção, a sussurrar-nos em tom macio: “Deixa disso...”, “Vamos cuidar de outros assuntos...”, “Vem cá, me dê atenção...”, Vozes ternas e suaves, prontas a jogar areia na chama já tênue do anseio íntimo. Há sempre algo mais importante a fazer e a nos distrair, que nos toma horas, dias, meses, anos... Uma vida inteira.
E há as mãos... mãos amigas, confiáveis, que inconscientes e inconsequentes antepõem-se como vendas diante do olhar de quem procura. Mãos que indicam com insistência para o retorno à “vida real”, ainda que opaca e sem brilho.
A distração do espírito é não só causa de muitos males, mas também consequência da indolência própria, que se deixa ocupar, confundir e imobilizar por outros ou para o agrado destes, ou sobrecarrega-se de trabalho a ponto de nada mais perceber em seu caminho de vida e evolução. O livre-arbítrio assim não é mais livre, mas fica atado por conta própria em inúmeros fios. A distração espiritual envolve com facilidade aquele cujo espírito, e sua voz – a intuição –, caminham com lentidão e pouca força, quase que desligados do corpo e da consciência diurna. E nessa distração anestesiante se perdem as respostas aos nossos anseios mais profundos.
A distração do espírito nos impede de sair das espirais de problemas e de ver além. Abafa a voz da alma e o que por trás dela fala e se comunica, que ainda procura nos conduzir, advertir, impelir a veredas que podem conduzir ao reconhecimento e ao esclarecimento espiritual.
Um leve vaguear em busca de algo... Um borbulhar interno, quase imperceptível para a maioria, ainda leva alguns a buscarem, para além das coisas vistas, a origem propriamente de tudo que há, respostas às perguntas que pouco ousamos formular e muito menos responder. Esse pequeno e vivo impulso interior, porém, na maior parte dos casos é logo abafado, esquecido e suplantado por um número incontável de distrações e pedidos externos que, quando consentidos, acarretam responsabilidade irrevogável para cada um.
Se o espírito não se distraísse levianamente com coisas efêmeras e passageiras, poderia encontrar sem demora o saber sobre seu papel na Criação, o qual permanece acessível àquele que o busca com propósito sincero e puro na alma.
Sim, a Verdade integral existe, e é alcançável pelo espírito que se movimenta. Caso não houvesse uma Verdade absoluta, real e passível de ser extraída de todas as coisas sem distinção, então a mentira, seu contrário, também não existiria. Se é conhecido que a mentira existe, então é porque há parâmetro para conceber o seu oposto. Isso, por si só, deveria balançar certas zonas de conforto dos assim chamados buscadores.
A Verdade sobre todas as coisas é, sim, o maior tesouro que o espírito humano pode alcançar. Mas o que faria ele se, por ventura, se visse diante de caminhos que levam a essa Verdade? Provavelmente não os reconheceria, distraído que está com tantas outras coisas, desviado que é pelas vozes meigas e mãos amigas. Estaria diante deles como sempre está em qualquer situação: preocupado, estressado, alienado, absorvido com algo certamente bem menor que sua razão existencial.
Que faríamos nós se já nos tivessem sido dadas diversas oportunidades para isso, ou, ao menos, para a obtenção de lições valiosas e verdadeiras sobre a vida, que passam aos montes por nós a cada segundo? Que faria cada um? Estaríamos suficientemente despertos, abertos e atentos para distinguir ouro verdadeiro do brilho falso de tantas distrações espirituais? Quão sedentos estamos nós por isso? Pergunte, pois, cada qual a si mesmo, e ouça a resposta de sua intuição.